sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A Breve Vida de Um Louco

Quem seria ele? Cigarro na mão, headphones nos ouvidos, roupa preta, gel no cabelo. Caminhava pela rua meio perdido, sem rumo nem destino, apenas ao sabor dos seus próprios pensamentos. Falava consigo próprio numa língua estranha, não entendia os sinais do seu corpo, o dia esvoaçava e ele nada conseguia fazer. As horas passavam, e ele andava, continuava andando, andava sempre, sempre, sempre.
Nunca parou. Não pedia indicações, não falava a ninguém. Rosto fechado, num quase rigor mortis ainda em vida. A música que ouvia era depressiva, inconsequente, gritos de raiva e de dor de pessoas com menos raiva e dor que ele próprio. Ele era uma sombra sem nome, uma folha qualquer numa imensa árvore de folhas iguais, de impressões mudas e negritude sem fim.
Quem seria ele, pergunto eu, que o observo à distância, como se estivesse na sua mente, como se fosse ele. É uma experiência deveras assustadora, no entanto gratificante. Sei o que ele vai fazer, sei que passos vai dar, não sei porquê, mas não o posso impedir. Uma viagem pelos infernos pessoais de um qualquer homem que não sei quem é, mas que sinto ser mais importante que muitos.
A estrada continua a passar-lhe debaixo dos pés. Flutua, como se não fosse nada. As paisagens sucedem-se, no entanto ele não as olha. Saca de outro cigarro, displicente, como se nada fosse. A chama irrequieta do isqueiro permite-lhe inspirar mais umas baforadas de morte. O cheiro acre do tabaco impregna-se na roupa, mistura-se com o odor a vergonha no seu corpo. Não se importa. Afinal não tem ninguém à espera, nenhum abraço que lhe pergunte como correu o dia, nenhuma palavra, nenhum beijo. Apenas o vazio omnipresente, aquele vazio que ocupa tudo, mesmo os espaços mais recônditos da sua alma. Interroga-se, que Deus olha por ele? Será que existe um anjo da guarda que o proteja? Ou será que tem algum demónio que o ajude? Nada, nada, nada. Um buraco sem fundo, uma porta sem nada por trás, um beco sem saída.
Continuo a acompanhá-lo, sem perceber para onde se dirige, sabendo para onde vai, mas sem saber para onde vai, qualquer coisa assim, estranha e confusa como ele próprio. Emaranhado de emoções discordantes, quarteto de cordas desafinado, uma amálgama de imperfeições e de pequenas derrotas, que todas juntas formam a derrota final. Sinto algo nos seus olhos. Uma lágrima, talvez? Um escape externo dos seus pensamentos mais obscuros? Sei que o seu olhar é vazio, não fixa nada no horizonte, sequer. Limita-se a ser terrivelmente leve, como se já não pertencesse a este mundo. Será louco? Estará completamente fora da humanidade?
Continua a andar. Sinto que o fim da sua demanda está próximo. O que ele procura, não sei ainda. Parou agora. Estamos à beira de algo que se me assemelha a um precipício. Olha uma e outra vez. Atira a beata do cigarro para o chão, pisa-a levemente, a música desliga-se por magia ou apenas porque ele quis que se desligasse. Parece controlar o mundo. Sorri finalmente, parece focado. E depois atira-se, sem mágoa nem remorso. Cai desamparado, os olhos fecham-se. Não sei se está morto, mas está em paz. Encontrou a solução. E finalmente faz-se silêncio completo.

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